quinta-feira, 2 de junho de 2011

Diário de Viagem - Parte V - Cusco

Seguindo nossa viagem pelo sul peruano, saímos de Puno rumo a Cusco. 


Como havia comentado no final do último post nossa saída foi um tanto quanto conturbada... saímos fugindo, mesmo! Os grevistas, baderneiros tinham tomado a cidade e ameaçaram fechar todas as estradas... ninguém saía ou entrava... 


E lá estávamos nós... numa friaca de dois graus negativos, três da matina e a gente no ônibus, se preparando para uma viagem de pagelança! Não conseguia entender porque tinha me metido naquele programa de índio master!! Mau humor bombaaando! Quem me conhece sabe como eu adooooro acordar de madrugada... adooooro viajar de ônibus... e ainda naquela friaca! Imagina?!

Veja bem... seriam 380 Kms de viagem, em 10 horas, saindo às três da matina, e com 2 graus negativos! Entendeu?! Isso significa que eu tava mordendo o cotovelo de tanto mau humor?! Significa!!!


Claro, tinham algumas paradas/visitas programadas no meio do caminho... calculando uma hora para cada parada/visita, ainda assim sobravam 7 horinhas de viagem! Não estava entendendo como é que 380 Kms podem virar 7 horas de viagem... imagina meu mau humor!

Sem contar que o ônibus estava lotado... com um monte de gringo... que pareciam não tomar banho há alguns dias... Sério! E eles falavam... falavam... falavam... ainda bem que eu durmo em qualquer lugar, com ou sem barulho, com cheiro bom ou cheiro ruim... Não ia ser confortável, claro. Mas, enfim... vamo que vamo!


A primeira visita programada não rolou, afinal, às 4:30 da manhã ainda é noite (e faz MUITO frio). Paramos depois que o dia amanheceu, na fronteira entre as províncias de Puno e Cusco - que vem a ser um lugar mega alto, frio pra caramba, mas que tem um visual incrível! Descemos 10 minutos do ônibus (mais que isso era arriscado a gente congelar), para tirar umas fotinhos... Vou colocar aqui pra vocês sentirem o drama - neve e a montanha de casacos.



Em seguida, por volta das 7:30hs da matina, chegamos no restaurante para o café da manhã. A programação era parar ali para almoçarmos, e o pessoal do lugar só deve ter sido informado da mudança de planos na noite anterior... Tadinhos, estavam num desespero só para conseguir montar um café da manhã pra gente. Naquela altura do campeonato um leitinho quente já fez minha alegria - viu como basta um pouco de perspectiva para a felicidade tornar-se algo muito mais simples e acessível?!

Saindo do restaurante seguimos para um sítio arqueológico, chamado Raqchi. Ali ficam as ruínas de uma cidade Inca e a construção mais imponente é o Templo de Wiracocha. 

Começamos a ver de perto o alto nível da engenharia dos Incas. As construções deles se caracterizam pela utilização de rochas (geralmente grandes... bem grandes), colocadas umas sobre as outras, com encaixe perfeito. Agora, imagina isso há mais de 500 anos... sem ferramentas - ou melhor, com as ferramentas que eles dispunham (e aí está outro indício de como eram inteligentes, pois desenvolveram ferramentas de outras pedras mais duras, e desenharam dezenas de artefatos que usavam para facilitar, ou possibilitar, o trabalho deles). Realmente os caras tinham uma civilização incrível, com técnicas espantosas e conhecimento invejável dos materiais com os quais trabalhavam! De outra forma, seriam impossível colocar de pé o império que construíram.

Além do formato das pedras, seu encaixe perfeito, e a magnitude das construções, identificamos ali outra característica marcante das construções incaicas: as paredes são construídas em formato de trapézio. Assim a sustentação era melhor, especialmente para enfrentar os frequentes terremotos da região.

Próximas do Templo ficavam as residências dos nobres. Elas mantinham a linha de construções com pedras bem trabalhadas. Conforme nos afastávamos do Templo as casas (ruínas) iam ficando mais brutas, com outros tipos de pedra, e também em menor tamanho. Outra construção típica que encontramos foram os silos, para estocagem de alimentos. A gente vê deles em todas as ruínas de cidades incas. Afinal, eles desenvolveram várias técnicas de plantio (de grãos especialmente) - as chamadas terrazas - e também técnicas de estocagem (em lugares mais frescos, por exemplo). Seguem as fotinhos!

O Templo

As residências dos nobres

As residências mais populares

Os caminhos da cidade

Os silos


Saindo dali continuamos nossa viagenzinha... o sol já estava esquentando (lá nas alturas tem disso, também... faz muito frio à noite e na sombra, mas o sol, quando aparece, esquenta rapidinho!) e meu mau humor já estava melhorando... comecei a apreciar a paisagem e percebi que a estrada é linda! Passamos por vales maravilhosos e cidadezinhas super interessantes! Ou seja, vale a pena viajar de ônibus de Puno até Cusco (se não houver, é claro, a ameaça de uma greve ou revolta no País, em data próxima à sua viagem!).

Paramos ainda em mais um local de visitação. Trata-se da Igreja de Andahuaylillas. Fica numa cidadezinha - tão apertada que para o ônibus passar foi um sufoco! - perdida naquele no meio do nada, e que, segundo o guia, é considerada a Capela Sistina das Américas (muito orgulho disso, pois ele repetiu vááááárias vezes essa informação!).

A igreja está sendo restaurada e fotografias não são permitidas. De fato, as paredes são todas recobertas de afrescos, do chão ao teto. E aí está a semelhança com a Sistina - paredes recobertas de pinturas (mas, claro, em estilo completamente diferente!). Muito rococó, muitos altares e aqueles santos que eles enfeitam como se fossem locais - colocam roupas coloridérrimas nas imagens, llamas aos seus pés, muitas flores, enfim... uma coisa beeeem peruvian way of life!




Bacana, mas só visite se por acaso você estiver pelo caminho... Legal mesmo foi ver um monte de casinhas apertadinhas com o quintal apinhado de espigas de milho, postas para secar ao sol (será que eles colocam e tiram todo dia?!).

E, finalmente, chegamos em Cusco! 10 horas de viagem... surreal!

Cusco foi a capital do Império Inca, o centro administrativo onde ficava o "rei" (na verdade só o "rei" era chamado de Inca - era o título equivalente a rei, imperador ou algo do gênero... hoje em dia é que a gente chama todo o povo/civilização de Inca...). De Cusco que o Inca comandava um império de 13 milhões de pessoas, espalhados no que hoje seria o território da Colômbia até o norte da Argentina! Dá pra imaginar?!

Cusco e não Cuzco, tá? Eu mesma não sabia, mas foi o maior auê oficializar esse nome...  Antes escreviam com z, mas segundo os locais Cusco é centro, umbigo, e é a palavra certa em Quechua  (a língua ancestral do povo), na qual a grafia original era Qosco. Teve uma discussão nacional, ponderaram, votaram e ficou oficializado. Portanto, Cusco. 


O símbolo da cidade é aquela bandeira listrada com as cores do arco-íris. No início eu tava achando que a cidade (e tudo por ali - hotel, restaurante, lojas...) era suuuuper gay friendly (santa ignorância, Batman...)... Mas depois que a gente viu a bandeira tremulando no mastro da Municipalidade, nos informamos e confirmamos que aquela era a bandeira símbolo deles. Vamos começar com um mapinha didático e bonito da cidade (a praça grandona é a Plaza de Armas)!




A cidade é realmente impressionate. Menor do que Arequipa, mas apinhada de turistas - o que muda totalmente o ritmo e a dinâmica da cidade. Em Cusco tem muito mais gente na rua, muito mais hostels, lojinhas de souvenirs, mais restaurantes (de tudo quanto é tipo e pra tudo quanto é bolso), e também muito mais gente na rua oferecendo o que você puder imaginar. Nesse ponto é mais chatinho andar pela rua... o tempo todo tem alguém oferecendo algo pra você  e é muito chato ter de ficar dizendo "no, gracias" o tempo todo! E vamos combinar que eu até podia passar incólume, podiam ter dúvidas quanto à minha procedência, e me deixar em paz... mas é só olhar pro Fred que não resta qualquer dúvida... ele no Peru dá toda pinta de turista, como eu dei quando fui pra Suécia! ;)


Chegando na cidade deixamos as coisas no hotel e fomos direto pra Plaza de Armas - a respeito do hotel, mais uma vez ficamos em um da cadeia San Agustin, dessa vez, no Internacional Cusco (bem localizado há duas quadras da Plaza de Armas, mas não recomendo se você for passar um sábado à noite em Cusco e pretender dormir... ali a selvageria no trânsito toma proporções assustadoras e o povo passa a noite toda como se fossem hulligans comemorando a vitória do time na final do campeonato... bizarro! Uma barulheira infernal, impossível descansar!).


A Plaza de Armas, que é o lugar mais importante da cidade, é imponente demais!! Como, aliás, não poderia deixar de ser. Desde os tempos dos Incas ali era o centro da cidade, que era o centro do Império... naquele lugar que se realizavam as cerimônias mais importante da cidade e do povo Inca! Depois da conquista pelos espanhóis a Plaza foi dividida ao meio, cercada por construções que deram ao lugar uma "cara" de Espanha. Mais uma vez as arcadas, a fonte no centro da Praça e, a cereja do bolo, no lugar onde ficava o Templo Inca mais importante da cidade eles construíram, óbvio, a Catedral. O recado era claro e estava dado.


No dia seguinte a gente fez o tour na Catedral e descobrimos algumas coisas interessantes. A primeira dela é da lenda de uma das torres da catedral teria sido construída sobre a tumba de um dos príncipes incas que, em determinado momento, vai aparecer para libertar Cusco do domínio dos espanhóis. Outra coisa interessante é que no quadro da Santa Ceia que enfeita um dos lados do altar maior da catedral, o prato principal é um cuy (aquele porquinho da índia típico da região andina) - adaptações sobre um mesmo tema... rs. Mais um detalhe do quadro: judas foi pintado olhando para o espectador. A cara dele é a cara do Francisco Pizarro - o espanhol que conseguiu dominar (e destruir) o Império Inca. Suuuuper querido por ali...


Em um dos outros lados do "quadrado" que é a Plaza de Armas, fica a Igreja da Companhia (de novo os Jesuítas). Aparentemente dentro da própria Igreja Católica haviam várias "facções", que ficavam brigando entre si para mostrar quem tinha mais "puder"... sempre ele... mais dinheiro, mais pra esbanjar... essas coisas.... A Igreja da Companhia é enorme também, e com uma fachada super trabalhada. Chegou um ponto em que o Vaticano interviu e falou para os jesuítas baixarem a bola, pois acharam que o povo poderia ficar (um pouco) confuso se uma igreja fosse maior, mais ostentosa, que a própria Catedral - tão importante na colonização dos índios dali. 

História e brigas à parte, o visual da Plaza é lindo! Com sol, à noite, com o céu azul emoldurando e as nuvens brincando no céu... vale a pena passar por lá várias vezes, só pra dar uma espiadinha... ou para se sentar num dos bancos e ficar só curtindo o movimento, numa coisa bem voyeur! ;) 


Umas fotinhos: da Catedral, da Igreja da Companhia, da Plaza, da Plaza ao anoitecer.










As ruas da cidade de Cusco são bastante interessantes, pois as construções incaicas foram mantidas. Os espanhóis passaram um reboco na maioria dos prédios, colocaram um gesso por cima das pedras enormes com as quais os Incas construíram os edifícios, mas elas ficam aparentes na maioria dos lugares. Isso faz com que a cidade tenha uma arquitetura toda característica - com essa mistura evidente, como se até hoje os dois povos continuassem medindo suas forças.






No mais, a cidade é lotada de igrejas. Tem seu próprio Monastério de Santa Catalina e um outro - o de Santa Teresa. Igreja de São Francisco, de Santa Clara, de La Recoleta, de Santo Domingo... igreja que não acaba mais. Insegurança ou muita vontade de catequisar? 

Outro lugar que vale a pena conhecer é o bairro de San Blás, que fica em torno da igreja de San Blás. É um bairro lá no alto (Cusco é cheio de sobe e desce...), cheio de vielas com casarões antigos que hoje abrigam vários ateliês interessantes. Ao lado da igreja tem uma pracinha gostosinha com uns cafés onde você pode almoçar ou tomar mesmo um café e aproveitar o movimento (nossa... tô virando uma voyeur mesmo!). 

Suba de táxi e desça a pé. Não fica longe da Plaza de Armas - pelo contrário, desça pela Calle Hatunrumiyoc e aproveite para notar as pedras incas da construção do Museu de Arte Religioso - ali tem a pedra de 12 ângulos (gigante, com 12 ângulos esculpidos para o encaixe perfeito com as demais pedras da construção). Não precisa ser engenheiro para se impressionar com o que os caras faziam...



Outro passeio bacana, que vale a pena fazer antes de sair para conhecer os sítios incas da região é o Museu Arqueológico ou Museu Inca (fica ao lado da catedral) . Contrate um dos guias - você paga quanto achar que vale a visita - e assim você vai entender um pouco melhor da história das culturas andinas, partindo para as visitas com um conhecimento básico que vale a pena ter para entender tudo melhor!
E, como não podia faltar, vou indicar dois restaurantes bem bacanas em Cusco. 


O primeiro é o Cicciolina. Muito bom! A decoração é muito legal, o serviço é atencioso e o cardápio é uma delícia!! A entrada, os pratos e a sobremesa estavam impecáveis! Para completar tomei um vinho ótimo e a conta, seguindo os padrões peruanos, veio em valor muito inferior ao que pagaríamos em SP ou Brasília! Ah... é considerado o melhor restaurante de Cusco, portanto, não esqueça de fazer uma reserva - especialmente se a ideia for jantar (que eu recomendo, pois o ambiente fica lindo à noite!). Do mesmo dono tem um bar de vinhos que parece bem interessante também (chama-se Baco, com informações no mesmo site), mas a gente não conseguiu ir... quem sabe na próxima!


Outro bem bacana é o Incanto (Santa Catalina Angosta 135 - Tel. 84-25-4753). Também ali pertinho da Plaza de Armas, com cardápio delicioso e um ambiente bem legal! Tá certo que o atendimento não foi dos melhores. A casa estava cheia (fazer uma reserva é aconselhável), e os garçons atrapalhadíssimos... poucos para tanta gente... Mas, apesar da demora, tava tudo ótimo! Afinal de contas, a gente tá de férias, não é? Pra que a pressa?! ;)


Bom... eu ainda tenho um monte de coisas pra contar sobre nossa passagem por Cusco... mas esse post tá ficando muito grande e ainda tem muito pra falar... Como isso é um post, de um blog, e não o capítulo de um livro... vou encerrar por aqui e depois eu faço outro sobre os sítios arqueológicos, Vale Sagrado e Machu Picchu!


Beijos!
Tila.

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