segunda-feira, 23 de maio de 2011

Diário de Viagem - Parte III - Monastério de Santa Catalina (Arequipa)

Como promessa é dívida, aqui está o post sobre o Monastério de Santa Catalina! O Monastério fica em Arequipa e foi fundado e 1580 por uma viúva cheia da nota. O estilo de vida ali era duro. Aliás, duríssimo...

As noviças chegavam com 12 anos. Normalmente vinham de famílias abastadas, que pagavam uma pequena fortuna para o monastério - essa "matrícula", e as anuidades que eram pagas no decorrer dos anos, eram utilizados para custear todas as despesas do monastério(alimentos, remédios, tecidos, material para bordados, etc...). Quando as noviças entravam no monastério tinham direito a um quartinho, com cama, cadeira, altar para uma santinha, dois "buracos" na parede que serviam de armário (não sei para guardar o quê, já que elas não tinham praticamente nada), e só. O quartinho tinha uma porta e uma janelinha.

As noviças viviam em completa clausura por 4 anos. E quando eu digo completa, era completa mesmo! Elas recebiam as refeições pela janela. E a porta do quartinho (ou da "cela") ficava permanentemente fechada. Só era aberta uma vez por dia, quando as noviças podiam sair, por uma hora, para assistir à missa (claro!).

A comunicação com a família, por sua vez, era permitida uma vez por mês, através de um locutório. Ou seja, tinha uma grade do lado de cá, e outra do lado de lá, impedindo assim o contato fisico.

Os presentes eram permitidos, e colocados numa espécie de "roleta", que impedia, também, o contato físico. Claro que também haviam limitações em relação ao que podia ser oferecido como presente às noviças e monjas: nada de livros (até porque, elas não aprendiam a ler...), nada de vaidades - nem espelho era permitido (ver seu reflexo num espelho era pecado castigado com pena de banição... tchau tchau monastério... a única imagem das monjas era feita quando morriam, e vinha um "retratista"  que pintava sua imagem).

A conversa mensal com a família  (de uma hora, no máximo), ainda era "fiscalizada" por outra monja. O que, de certa forma, impossibilitava qualquer "assunto proibido", inclusive qualquer reclamação relacionada ao monastério. Uma fotinho desse quartinho, o locutório, com as "grades" à esquerda e a "roleta dos presentes", atrás de mim.


A propósito, era somente por meio desse quartinho que era feito TODO o contato das monjas com o mundo exterior... a roleta dos presentes servia também para que os fornecedores passassem a comida e mantimentos que eram comprados pelas monjas, e tudo o mais que fosse necessário... uma vez dentro do monastério as mojas nunca mais saiam!

A única autorizada a receber visitas - e que tinha uma sala especial (e luxuosa) para isso - era a monja superiora. Ela recebia o bispo, uns padres, e afins.

Voltando às noviças, elas não aprendiam a ler ou escrever. Decoravam o significado de uma série de afrescos que decorava um dos pátios internos do convento. Sua educação se limitava a tais afrescos - na maioria religiosos - e à prendas manuais (bordados, especialmente).

Afrescos no cantinho direito, superior

E era isso que aprendiam... não tinham livros.. o tempo delas era preenchido com rezas... bordados... e só!  Com isso,  haja bordado! Alguns em exposição no monastério (fios de ouro e fios de prata, nos bordados de mantos para as imagens e, eventualmente, para as igrejas da região).




Aliás, os pátios internos do monastério são lindos!! Na verdade, tudo ali tinha mesmo de ser muito lindo, pois pra aguentar essa vida cheia de limitações, só vivendo num lugar bem lindo, mesmo!

Claustro Los Naranjos (por conta das laranjeiras)






Bom, depois dos primeiros quatro anos que as noviças viviam em completa clausura e com todas as privações possíveis, a vida começava a ficar menos pior... dependendo da fortuna da família e de quando elas podiam pagar, as monjas tinham direito a uma "casinha" mais ajeitadinha... ou seja, podiam ter mais cômodos: um quarto, uma saleta e uma cozinha. Tinham direito (até) a suas próprias serviçais. Assim as serviçais cozinhavam uns biscoitinhos e as monjas podiam convidar outras mojas para um papinho e um chazinho... Fotinhos de uma das casotas.

Essa casota era de monja abastada - tinha até piano!


A cozinha, e o forno (embaixo dele eram criados
cuys, uma espécie de porquinho da índia,
 que é prato típico da região)

Lugar curioso do monastério era a lavanderia. A água descia por um canal que era "travado" por uma pedrinha, para encher umas grandes ânforas (de cerâmica), onde a roupa era lavada. 


Ali do lado da lavanderia ficava uma "tina"... onde as serviçais tomavam banho (4 de cada vez), sempre vestidas, claro. Não foi esclarecido onde (e se) as mojas tomavam banho...

Ok... a tina hoje tá cheia de plantinhas aquáticas...
mas dá pra ter uma ideia do perrengue... imagina o frio!!

A partir de 1870 o estilo de vida das monjas mudou um pouco. Passaram a realizar diversas atividades comunitárias... foi montada uma cozinha comunitária, um refeitório comunitário, e elas passaram a viver mais tempo juntas.  Cada dia uma monja era escolhida para recitar passagens da bíblia durante as refeições. Nesse dia ela jejuava. Sópodia beber água... Abaixo fotinho do refeitório.

Confortável o refeitório, viu?

Outro lugar lindo do monastério era o terraço, que ficava sobre a igreja principal. Dali elas tinham uma vista linda da cidade!



O monastério é um lugar lindo! Poucas ruas, cada uma delas com  nome de uma cidade espanhola (Granada, Sevilha, Córdoba...), todas coloridas, floridas e super tranquilas, claro. Reina no monastério todo uma tranquilidade, um silêncio, uma paz... é realmente impressionante.






As monjas, como a maioria dos peruanos,
 eram pequenininhas...




Hoje em dia - na verdade, desde a década de 70, quando o monastério foi aberto para visitação - as monjas vivem em uma parte reservada do monastério. Já não vivem mais em clausura total. Podem sair para ir médico, por exemplo. Entram no monastério a partir dos 18 anos, já sabem ler, escrever (oupodem aprender no monastério) e têm até aulas de computação!

Hoje em dia, afinal, entram no monastério porque querem. Antigamente entravam porque era tradição: a primeira filha casava, a segunda filha era entregue a Deus (acho que era por isso que entravam no monastério aos 12 anos, assim não tinham tempo para conhecer a vida e reivindicar qualquer tipo de liberdade, opinião própria, etc.) e a terceira filha não casava, nem ia para o monastério porque seu destino era cuidar dos pais até sua morte. Da quarta filha em diante as "sortudas" tinham direito ao livre arbítrio.

Ironia, ou não, no monastério tem um confessionário. Mas, fala sério, dá pra imaginar que essas monjas, que viviam enclausuradas, não conheciam ninguém além de outras monjas e da família, não conheciam nada da vida, teriam algum pecado pra confessar? Segundo nossa guia: pecados da mente. Podia rolar uma invejinha da casota da outra, do jogo de chá que a outra tinha ganho da familia, e sabe-se lá mais o quê...

A confissão era feita, claro, através de uma parede, para padres que ficavam do lado de fora do convento...


Com ou sem pecado, a verdade é que os sacrifícios eram (e são) recompensados com um ambiente de muita paz e tranquilidade. Gostamos muito do monastério. Ficamos um tempão passeando por ali... não dá vontade de sair... parece que você está em outro mundo! Sem dúvida um passeio que vale a pena, se você estiver por Arequipa!

Beijos,
Tila.

Um comentário:

  1. Adorei a aula monastérica. E o lugar parece mesmo muito bonito.

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